Jean Wyllys, ex-BBB e primeiro gay assumido da Câmara, disputa com o evangélico Feliciano o voto do público. Qual será a escolha da audiência?
Ed Ferreira/Estadão
Wyllys: 'Não é a minha privacidade, é minha identidade que torno pública'
Vamos dar uma espiadinha no que está acontecendo na Casa? De um
lado, o pastor Marco Feliciano, da Assembleia de Deus Catedral do
Avivamento, à frente da bancada evangélica e recém-empossado presidente
da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, prega a palavra sem papa na
língua: “Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do
homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe fica anulada”,
“Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé” e “O reto não foi
feito para ser penetrado”. Do outro, o deputado federal Jean Wyllys,
jornalista com mestrado em letras e linguística, vencedor do Big Brother
Brasil 2005 e “primeiro homossexual assumido da Câmara”, segundo ele
próprio, encabeça uma frente multipartidária para tirar o pastor daquele
posto que não lhe pertence: “Feliciano é um fundamentalista, racista e
homofóbico. A comissão não é lugar para ele”. Quem vence a prova do
líder?
Desde 7 de março, quando foi eleito com um miraculoso acordo que lhe garantiu 11 votos a favor e um em branco, apesar dos protestos de entidades de defesa dos direitos humanos País afora, Feliciano (PSC-SP) tem sobrevivido a todos os paredões. Jean Wyllys (PSOL-RJ) virou seu antagonista de primeira hora, ao retirar-se da sessão aos prantos, antes da coleta dos votos: “Isso é uma farsa, uma manobra para destruir a comissão”. No último dia 20, porém, o jogo começou a virar. E Feliciano não parece mais imunizado pelo anjo do Espírito Santo.
As 11h da manhã uma cerimônia lotou o auditório Nereu Ramos, no Anexo II da Câmara, para o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos - espécie de comissão do B para esvaziar a presidência do pastor e vocalizar a ira santa dos dissidentes. No início confuso do encontro, o áudio do Hino Nacional Brasileiro falhou nas caixas de som. Quando os presentes resolveram sair cantando à capela, os primeiros acordes da gravação voltaram a soar, produzindo uma enorme dissonância até que alguém a desligasse de vez. No palco, entre os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Luiza Erundina (PSB-SP), Jean empostou com entusiasmo sua voz de barítono e levou a mão ao peito nos versos do “se ergues da Justiça a clava forte”.
“Não é fácil encher esse auditório numa quarta-feira”, disse com seu humor característico o deputado Chico Alencar, um dos primeiros a falar. “Há pouco o Jean comentava comigo que não houve nenhuma orquestração aqui, ao contrário do que diz aquele vídeo sórdido postado na internet por um assessor do Feliciano. Não teve orquestração nem para o Hino Nacional, vocês viram.”
O vídeo, divulgado no YouTube no início da semana por um assessor lotado no gabinete de Feliciano, acusava os manifestantes contrários à sua permanência na comissão de incentivarem a pedofilia e organizarem “rituais macabros” em frente à sua igreja, além de “revelar” imagens de confessionário de Jean Wyllys - uma entrevista de TV em que o parlamentar admitiria que “foram os orixás” que deram a ele seu mandato.
Em seu discurso - saudado pela plateia com gritos de “Jean me representa” -, o deputado que diz ter sido criado no catolicismo, rezado do credo marxista na adolescência e abraçado “os mistérios e o sincretismo religioso” na vida adulta, defendeu “a liberdade de crer e de não crer”. Pregação aplaudida de pé por todos, do agnóstico Protógenes Queiroz (PcdoB-SP) a Pai Adailton de Ogum, paramentado “porque hoje é dia de Xangô, pai da Justiça”, passando pelo Pastor Welinton Pereira, metodista que discorda de Feliciano e ajudou a reunir 150 assinaturas de outros evangélicos pedindo sua saída da comissão. “Feliciano faz uma leitura equivocada da Bíblia.”
Já passava das 14h quando Jean Wyllys deixou o auditório sem pausa para o almoço e foi, metido em seu terno escuro de calça skinny, tomar lugar na Comissão de Cultura. Na sala ao lado, o tumulto já se formava à porta da Comissão de Direitos Humanos, com estudantes gritando: “Direitos humanos é uma conquista (sic), não queremos homofóbico racista”, “Não, não, não nos representa”, “Feliciano, vou te falar, eu fico aqui até você renunciar”. O pastor passou 8 minutos na mesa, delegou o comando ao vice e sumiu. Jean preferiu espiar de longe: “Não vou pra não acirrar. Tudo o que esse cara quer é personalizar a coisa entre mim e ele”.
Diante da gritaria dos manifestantes a sessão teve que ser encerrada. Foi quando o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que acompanhava os debates com sua risca perfeita no cabelo, batucando nervosamente a mão na mesa, explodiu. Chamou os estudantes pra porrada com impropérios publicáveis apenas na TV Câmara - que, como o pay-per-view do BBB, não tem censura e vê suas pérolas diariamente pescadas pelas redes sociais. No dia seguinte, Bolsonaro repetiu sem constrangimento cada palavra ao Aliás: “Falei que os pais deviam ter orgulho deles, porque dão a bunda de noite e fazem baderna de dia”.
“Você vê por que eu não dirijo a palavra a esse cara?”, diz Jean Wyllys, caminhando a passos incrivelmente largos para pernas tão curtas, no corredor de acesso ao Salão Verde da Câmara. Ali, os jovens que “badernaram” a reunião da Comissão de Direitos Humanos se reagrupam, sentados no chão. Uma jovem exibe uma mancha vermelha no maxilar: “Jean, levei um soco. E fui a segunda menina a apanhar”. O chefe da segurança da Câmara corre para desmenti-la: “Garanto que não houve, deputado”. Jean o aperta: “Eu avisei que vocês não estão lidando com bandido. Tem que ter um trato, maneirem, vocês são treinados pra isso”.
O antagonismo com colegas como Bolsonaro ou o Pastor Silas Malafaia vai muito além, afirma Jean, do que se convencionou chamar de diálogo democrático no parlamento. “Com o João Campos (PSDB-GO) eu ainda converso, pois nunca me ofendeu pessoalmente, mas não dá para ter contato com alguém que prega a ‘cura gay’ e te considera uma doença a ser erradicada.” Em novembro, Malafaia e ele protagonizaram um bate-boca ríspido quando a bancada evangélica tentou revogar uma resolução do Conselho de Psicologia que impede que os profissionais da área promovam terapias de “tratamento” da homossexualidade. Antes mesmo disso, desde o início de seu mandato, em fevereiro de 2011, Jean teve que lutar para se impor no ambiente machista do Congresso.
Exatamente por isso, escolheu como primeira arena de atuação a sisuda Comissão de Finanças e Tributação. Respaldou-se na assessoria da economista Maria Lúcia Fattorelli e propôs uma auditoria na dívida pública. “Entrei de sola para mostrar que assunto nenhum é privilégio de homens brancos e héteros.” Ganhou o respeito dos colegas machões e elogios do especialista Pauderney Avelino - que não se perca pelo nome.
Sem tom de arrogância mas sem sombra de modéstia, Jean Wyllys de Matos Santos não está surpreso com o protagonismo conquistado nos últimos dias. “Sempre fiz a diferença, onde quer que estive.” É de fato uma trajetória singular a que trouxe para o centro do noticiário político nacional o menino nascido “abaixo da linha da pobreza”, no município de Alagoinhas, leste da Bahia, em 1974. Viviam em casa de taipa iluminada por candeeiro e tomavam água de chafariz público.
A mãe, Inalva, era lavadeira. O pai, José, era alcoólatra e fazia bicos como pintor de geladeiras e automóveis. O “Wyllys”, que não é sobrenome, veio dos Aero-Willys que o pai coloria, mas nunca pôde ter. Em casa, Jean era “Jân”, primeiro homem depois de três filhas mulheres do casal, ao qual se seguiram mais três varões. Muitas vezes as crianças aguardavam com a mãe o chefe da família voltar da rua com alguma comida. Não raro, dormiam com fome. “Tenho muito orgulho do meu pai, que morreu em 2001. E hoje entendo que ele bebia porque também tinha desejos maiores, que a vida lhe negou.”
Foi a educação que mudou a vida do filho do meio da família Matos. Admirada com a perspicácia do menino, dona Iraci, sua professora de matemática na escola pública, sugeriu que ele prestasse concurso para o prestigiado colégio interno da Fundação José Carvalho, na vizinha Pojuca. Após um processo seletivo que levou mais de um mês, disputado por crianças de todo o Nordeste, Jean fez a diferença e ficou entre os 25 aprovados. Lá teve uma privilegiada formação humanista e também aulas de inglês, informática e até oratória. “Me abriu o mundo”, diz.
Saiu de lá com 19 anos, já empregado como analista de sistemas, para morar em Salvador. O começo, no bairro periférico de Beiru, foi difícil. Passou nos vestibulares da Católica e da Universidade Federal da Bahia, onde cursou jornalismo. Exerceu a profissão por quase dez anos, como repórter de cultura da Tribuna da Bahia e depois do Correio da Bahia, diário de propriedade do temido senador Antônio Carlos Magalhães. “Uma vez fui pular um carnaval enlouquecido, com o cabelo pintado de louro, e na quarta de cinzas me chamaram para cobrir o velório de um intelectual da Academia Brasileira de Letras, amigo pessoal do ACM. Cheguei na cerimônia sem paletó, parecendo um girassol. Tive certeza que ia ser demitido, então escrevi um texto daqueles de ir pra capa. E foi”, ri.
Sempre inquieto, trocou a carreira na imprensa pela vida acadêmica assim que concluiu o mestrado na UFBA. Transferiu-se para o Rio de Janeiro para lecionar na ESPM e na Universidade Veiga de Almeida. E, em 2004, decidiu se inscrever na seleção do famoso reality show da Rede Globo. “Como professor de Teoria da Comunicação me interessava saber como o programa funcionava”, justifica ele. “E disse de cara, no vídeo de inscrição, que era gay. Sempre foi minha intenção mostrar que ser homossexual não significa ter um destino imperfeito.” Outra vez, a estrela de Jean brilhou e ele não só encarnou uma representação positiva da homossexualidade na TV como ganhou o programa. Até hoje não conta o que fez com o dinheiro.
De celebridade instantânea voltou à anônima rotina de docente até 2010, quando recebeu o convite para se lançar candidato pelo PSOL. “Como quando me inscrevi no BBB, nunca achei que fosse ser eleito, mas aconteceu. E vi nisso outra oportunidade de cumprir o que se tornou a minha missão.” Foi por um triz: sumido há anos do noticiário, o ex-BBB foi eleito com 0,2% dos votos válidos e só conseguiu a vaga graças ao bom desempenho do colega Chico Alencar. Dois anos depois, Jean era apontado o melhor deputado federal do Brasil pelo voto dos internautas no site Congresso em Foco.
Hoje, ele divide seu tempo entre seu apartamento no Rio e um imóvel alugado no Distrito Federal. Conta que fez matrícula em uma academia de ginástica mas nunca apareceu - limita-se a pedalar pela cidade nas raras horas de folga. Nestas, também sai para jantar com “a única amiga de verdade, daquelas com quem se troca confidências” que fez na cidade, a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). Se perguntado por que, apesar da militância gay assumida, jamais aparece com alguém, conta que está solteiro, embora tenha tido alguns relacionamentos (o mais longo durou dois anos). A discrição, explica, é por respeito a quem estiver com ele. “Não é a minha privacidade, é a minha identidade que eu torno pública.”
Na quinta-feira, Jean foi o primeiro a ser informado pelo presidente Henrique Alves (PMDB-RN) de que a situação de Feliciano se tornara “insustentável”. Diante do desgaste, até o líder do PSC rogou que ele se afastasse. Até a última sexta, no entanto, Feliciano mantinha fé inabalável no acordo político-eleitoral com o PT que o levou ao cargo.
Tão perto de ganhar o prêmio, Jean evita cantar vitória. Para ele, se não for contido, o jogo dos “fundamentalistas” da Câmara não vai se limitar aos direitos das minorias. “Daqui a pouco, o pecado é o seu futebol, a sua cervejinha no fim de semana...” Alô, alô, você, como diria Pedro Bial.
Desde 7 de março, quando foi eleito com um miraculoso acordo que lhe garantiu 11 votos a favor e um em branco, apesar dos protestos de entidades de defesa dos direitos humanos País afora, Feliciano (PSC-SP) tem sobrevivido a todos os paredões. Jean Wyllys (PSOL-RJ) virou seu antagonista de primeira hora, ao retirar-se da sessão aos prantos, antes da coleta dos votos: “Isso é uma farsa, uma manobra para destruir a comissão”. No último dia 20, porém, o jogo começou a virar. E Feliciano não parece mais imunizado pelo anjo do Espírito Santo.
As 11h da manhã uma cerimônia lotou o auditório Nereu Ramos, no Anexo II da Câmara, para o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos - espécie de comissão do B para esvaziar a presidência do pastor e vocalizar a ira santa dos dissidentes. No início confuso do encontro, o áudio do Hino Nacional Brasileiro falhou nas caixas de som. Quando os presentes resolveram sair cantando à capela, os primeiros acordes da gravação voltaram a soar, produzindo uma enorme dissonância até que alguém a desligasse de vez. No palco, entre os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Luiza Erundina (PSB-SP), Jean empostou com entusiasmo sua voz de barítono e levou a mão ao peito nos versos do “se ergues da Justiça a clava forte”.
“Não é fácil encher esse auditório numa quarta-feira”, disse com seu humor característico o deputado Chico Alencar, um dos primeiros a falar. “Há pouco o Jean comentava comigo que não houve nenhuma orquestração aqui, ao contrário do que diz aquele vídeo sórdido postado na internet por um assessor do Feliciano. Não teve orquestração nem para o Hino Nacional, vocês viram.”
O vídeo, divulgado no YouTube no início da semana por um assessor lotado no gabinete de Feliciano, acusava os manifestantes contrários à sua permanência na comissão de incentivarem a pedofilia e organizarem “rituais macabros” em frente à sua igreja, além de “revelar” imagens de confessionário de Jean Wyllys - uma entrevista de TV em que o parlamentar admitiria que “foram os orixás” que deram a ele seu mandato.
Em seu discurso - saudado pela plateia com gritos de “Jean me representa” -, o deputado que diz ter sido criado no catolicismo, rezado do credo marxista na adolescência e abraçado “os mistérios e o sincretismo religioso” na vida adulta, defendeu “a liberdade de crer e de não crer”. Pregação aplaudida de pé por todos, do agnóstico Protógenes Queiroz (PcdoB-SP) a Pai Adailton de Ogum, paramentado “porque hoje é dia de Xangô, pai da Justiça”, passando pelo Pastor Welinton Pereira, metodista que discorda de Feliciano e ajudou a reunir 150 assinaturas de outros evangélicos pedindo sua saída da comissão. “Feliciano faz uma leitura equivocada da Bíblia.”
Já passava das 14h quando Jean Wyllys deixou o auditório sem pausa para o almoço e foi, metido em seu terno escuro de calça skinny, tomar lugar na Comissão de Cultura. Na sala ao lado, o tumulto já se formava à porta da Comissão de Direitos Humanos, com estudantes gritando: “Direitos humanos é uma conquista (sic), não queremos homofóbico racista”, “Não, não, não nos representa”, “Feliciano, vou te falar, eu fico aqui até você renunciar”. O pastor passou 8 minutos na mesa, delegou o comando ao vice e sumiu. Jean preferiu espiar de longe: “Não vou pra não acirrar. Tudo o que esse cara quer é personalizar a coisa entre mim e ele”.
Diante da gritaria dos manifestantes a sessão teve que ser encerrada. Foi quando o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que acompanhava os debates com sua risca perfeita no cabelo, batucando nervosamente a mão na mesa, explodiu. Chamou os estudantes pra porrada com impropérios publicáveis apenas na TV Câmara - que, como o pay-per-view do BBB, não tem censura e vê suas pérolas diariamente pescadas pelas redes sociais. No dia seguinte, Bolsonaro repetiu sem constrangimento cada palavra ao Aliás: “Falei que os pais deviam ter orgulho deles, porque dão a bunda de noite e fazem baderna de dia”.
“Você vê por que eu não dirijo a palavra a esse cara?”, diz Jean Wyllys, caminhando a passos incrivelmente largos para pernas tão curtas, no corredor de acesso ao Salão Verde da Câmara. Ali, os jovens que “badernaram” a reunião da Comissão de Direitos Humanos se reagrupam, sentados no chão. Uma jovem exibe uma mancha vermelha no maxilar: “Jean, levei um soco. E fui a segunda menina a apanhar”. O chefe da segurança da Câmara corre para desmenti-la: “Garanto que não houve, deputado”. Jean o aperta: “Eu avisei que vocês não estão lidando com bandido. Tem que ter um trato, maneirem, vocês são treinados pra isso”.
O antagonismo com colegas como Bolsonaro ou o Pastor Silas Malafaia vai muito além, afirma Jean, do que se convencionou chamar de diálogo democrático no parlamento. “Com o João Campos (PSDB-GO) eu ainda converso, pois nunca me ofendeu pessoalmente, mas não dá para ter contato com alguém que prega a ‘cura gay’ e te considera uma doença a ser erradicada.” Em novembro, Malafaia e ele protagonizaram um bate-boca ríspido quando a bancada evangélica tentou revogar uma resolução do Conselho de Psicologia que impede que os profissionais da área promovam terapias de “tratamento” da homossexualidade. Antes mesmo disso, desde o início de seu mandato, em fevereiro de 2011, Jean teve que lutar para se impor no ambiente machista do Congresso.
Exatamente por isso, escolheu como primeira arena de atuação a sisuda Comissão de Finanças e Tributação. Respaldou-se na assessoria da economista Maria Lúcia Fattorelli e propôs uma auditoria na dívida pública. “Entrei de sola para mostrar que assunto nenhum é privilégio de homens brancos e héteros.” Ganhou o respeito dos colegas machões e elogios do especialista Pauderney Avelino - que não se perca pelo nome.
Sem tom de arrogância mas sem sombra de modéstia, Jean Wyllys de Matos Santos não está surpreso com o protagonismo conquistado nos últimos dias. “Sempre fiz a diferença, onde quer que estive.” É de fato uma trajetória singular a que trouxe para o centro do noticiário político nacional o menino nascido “abaixo da linha da pobreza”, no município de Alagoinhas, leste da Bahia, em 1974. Viviam em casa de taipa iluminada por candeeiro e tomavam água de chafariz público.
A mãe, Inalva, era lavadeira. O pai, José, era alcoólatra e fazia bicos como pintor de geladeiras e automóveis. O “Wyllys”, que não é sobrenome, veio dos Aero-Willys que o pai coloria, mas nunca pôde ter. Em casa, Jean era “Jân”, primeiro homem depois de três filhas mulheres do casal, ao qual se seguiram mais três varões. Muitas vezes as crianças aguardavam com a mãe o chefe da família voltar da rua com alguma comida. Não raro, dormiam com fome. “Tenho muito orgulho do meu pai, que morreu em 2001. E hoje entendo que ele bebia porque também tinha desejos maiores, que a vida lhe negou.”
Foi a educação que mudou a vida do filho do meio da família Matos. Admirada com a perspicácia do menino, dona Iraci, sua professora de matemática na escola pública, sugeriu que ele prestasse concurso para o prestigiado colégio interno da Fundação José Carvalho, na vizinha Pojuca. Após um processo seletivo que levou mais de um mês, disputado por crianças de todo o Nordeste, Jean fez a diferença e ficou entre os 25 aprovados. Lá teve uma privilegiada formação humanista e também aulas de inglês, informática e até oratória. “Me abriu o mundo”, diz.
Saiu de lá com 19 anos, já empregado como analista de sistemas, para morar em Salvador. O começo, no bairro periférico de Beiru, foi difícil. Passou nos vestibulares da Católica e da Universidade Federal da Bahia, onde cursou jornalismo. Exerceu a profissão por quase dez anos, como repórter de cultura da Tribuna da Bahia e depois do Correio da Bahia, diário de propriedade do temido senador Antônio Carlos Magalhães. “Uma vez fui pular um carnaval enlouquecido, com o cabelo pintado de louro, e na quarta de cinzas me chamaram para cobrir o velório de um intelectual da Academia Brasileira de Letras, amigo pessoal do ACM. Cheguei na cerimônia sem paletó, parecendo um girassol. Tive certeza que ia ser demitido, então escrevi um texto daqueles de ir pra capa. E foi”, ri.
Sempre inquieto, trocou a carreira na imprensa pela vida acadêmica assim que concluiu o mestrado na UFBA. Transferiu-se para o Rio de Janeiro para lecionar na ESPM e na Universidade Veiga de Almeida. E, em 2004, decidiu se inscrever na seleção do famoso reality show da Rede Globo. “Como professor de Teoria da Comunicação me interessava saber como o programa funcionava”, justifica ele. “E disse de cara, no vídeo de inscrição, que era gay. Sempre foi minha intenção mostrar que ser homossexual não significa ter um destino imperfeito.” Outra vez, a estrela de Jean brilhou e ele não só encarnou uma representação positiva da homossexualidade na TV como ganhou o programa. Até hoje não conta o que fez com o dinheiro.
De celebridade instantânea voltou à anônima rotina de docente até 2010, quando recebeu o convite para se lançar candidato pelo PSOL. “Como quando me inscrevi no BBB, nunca achei que fosse ser eleito, mas aconteceu. E vi nisso outra oportunidade de cumprir o que se tornou a minha missão.” Foi por um triz: sumido há anos do noticiário, o ex-BBB foi eleito com 0,2% dos votos válidos e só conseguiu a vaga graças ao bom desempenho do colega Chico Alencar. Dois anos depois, Jean era apontado o melhor deputado federal do Brasil pelo voto dos internautas no site Congresso em Foco.
Hoje, ele divide seu tempo entre seu apartamento no Rio e um imóvel alugado no Distrito Federal. Conta que fez matrícula em uma academia de ginástica mas nunca apareceu - limita-se a pedalar pela cidade nas raras horas de folga. Nestas, também sai para jantar com “a única amiga de verdade, daquelas com quem se troca confidências” que fez na cidade, a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). Se perguntado por que, apesar da militância gay assumida, jamais aparece com alguém, conta que está solteiro, embora tenha tido alguns relacionamentos (o mais longo durou dois anos). A discrição, explica, é por respeito a quem estiver com ele. “Não é a minha privacidade, é a minha identidade que eu torno pública.”
Na quinta-feira, Jean foi o primeiro a ser informado pelo presidente Henrique Alves (PMDB-RN) de que a situação de Feliciano se tornara “insustentável”. Diante do desgaste, até o líder do PSC rogou que ele se afastasse. Até a última sexta, no entanto, Feliciano mantinha fé inabalável no acordo político-eleitoral com o PT que o levou ao cargo.
Tão perto de ganhar o prêmio, Jean evita cantar vitória. Para ele, se não for contido, o jogo dos “fundamentalistas” da Câmara não vai se limitar aos direitos das minorias. “Daqui a pouco, o pecado é o seu futebol, a sua cervejinha no fim de semana...” Alô, alô, você, como diria Pedro Bial.
Fonte: Estadão.com.br
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