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UM GOLPE
A cearense Betânia de Sousa com dois filhos, em casa, com o banheiro feito pela Funasa. Ele saiu por quase o triplo do preço |
Na manhã da segunda-feira 12, um carro preto da Polícia Federal
estacionou em frente à sede da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), em
Brasília. A chegada da polícia atiçou a curiosidade dos funcionários.
Muitos correram para as janelas. Parte deles, na expectativa de que os
agentes federais estivessem lá para fazer prisões. Outros, apreensivos,
temiam a chegada dos policiais em suas salas. No final, para decepção de
alguns e alívio de outros, ninguém saiu do edifício algemado. Segundo
funcionários da Funasa, os federais estiveram por lá para investigar
corrupção na entidade, mas estavam atrás de documentos, e não de
pessoas.
O episódio virou piada no prédio, mas ele retrata o estado de ânimo
dentro da Funasa, órgão do Ministério da Saúde que tem R$ 4 bilhões para
gastar por ano. A Funasa existe para levar saneamento básico às regiões
mais necessitadas do país e para cuidar da saúde dos índios. Com suas
ações espalhadas pelo interior do Brasil e uma direção nomeada por
critérios políticos, a Funasa tornou-se um alvo fácil para desvio de
dinheiro público.
Nos pequenos municípios do interior do país, é fácil perceber os
efeitos dos desvios de verba na vida da população. A Funasa chegou a
pagar até R$ 2.800 pela construção de banheiros em casas de baixa renda.
Segundo as investigações, o mesmo banheiro – mas feito com material
melhor – deveria custar R$ 600. Na casa da lavradora Betânia de Sousa,
na cidade de Brejo Santo, no interior do Ceará, a instalação em 2004 de
um banheiro modesto custou, no papel, R$ 1.500. Onde foi parar a
diferença, já que o preço foi inflado? A conseqüência: faltou dinheiro
para fazer banheiros na casa da mãe e de uma irmã de Betânia, que moram
na vizinhança. Segundo os auditores, se a construção do banheiro de
Betânia não fosse superfaturada, daria para fazer um igual para a mãe e
outro para a irmã.
Nas últimas semanas, reportagens de ÉPOCA mostraram que boa parte dos
acusados pelas fraudes na Funasa seriam apadrinhados políticos do grupo
do presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros. ÉPOCA teve acesso a
novos documentos, produzidos pela Controladoria-Geral da União e por
auditores da própria Funasa. Eles traçam um retrato ainda mais
desanimador do que acontece na entidade.
Os auditores ficaram especialmente incomodados com a ousadia do que
apelidaram de contratos Capa de Batman. Segundo as investigações, nas
eleições de 2006 o grupo ligado a Renan Calheiros liberou milhões de
reais para prefeituras amigas, driblando as normas para pagamento de
convênios exigidas pela Secretaria do Tesouro Nacional. O Tesouro
determina que as prefeituras apresentem estudos e projetos técnicos para
explicar como pretendem aplicar o dinheiro das verbas federais. Na
Funasa, isso não era necessário.
A verba de R$ 824 mil foi liberada, mas o projeto em que ela seria usada só foi aprovado 11 meses depois |
O dinheiro muitas vezes era liberado com a simples assinatura do
convênio, antes mesmo da apresentação dos estudos e projetos. As pastas
referentes aos processos fraudados dessa maneira continham apenas a capa
e o pedido de verbas. Dentro da pasta nunca havia projetos. Por isso,
foram apelidados de processos Capa de Batman – não havia nada dentro.
Depois da liberação do dinheiro, os técnicos eram pressionados a
inventar laudos que pudessem justificar os gastos.
Engenheiros da Funasa em alguns Estados se negaram a dar pareceres
para “legalizar” a fraude. Diante da resistência dos funcionários de
carreira, a direção da Funasa em Brasília contratou consultores externos
para fazer o serviço. “Esses caras eram chamados de aprovadores”, disse
a ÉPOCA um dos engenheiros que não aceitaram participar da falsificação
da Funasa no Ceará. “A Capa de Batman, um processo completamente
irregular, é desmoralizante para a instituição”, afirma Geraldo Sales
Filho, presidente da Associação de Engenheiros, Arquitetos e Geólogos da
Funasa.
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SUSPEITO
Danilo
Forte (à esq.) atribui os desvios à gestão anterior. Mas ele assinou a
liberação de verbas (abaixo) para pagamento de empresas envolvidas nas
irregularidades |
Já se sabe que esse tipo de fraude foi comum em várias cidades do
Maranhão e em Roraima. Em julho do ano passado, a Prefeitura de Nova
Olinda, no Maranhão, recebeu da Funasa R$ 824 mil – primeira parcela de
um convênio no valor de R$ 2 milhões – para a instalação de kits
compostos de pia, chuveiro, vaso sanitário e tanque para lavar roupa. O
projeto técnico, porém, só foi aprovado em 30 de maio de 2007, 11 meses
depois da remessa do dinheiro. Em Rorainópolis, a Polícia Federal
investiga um caso de Capa de Batman com verbas para obras de drenagem de
um programa de combate à malária. No dia 19 de dezembro de 2006, a
Funasa liberou uma parcela de R$ 1,6 milhão, de um total de R$ 4
milhões. O projeto só foi aprovado pelo Departamento de Engenharia da
Funasa nove dias depois.
É difícil entender como um órgão de governo tão essencial ficou tão
abandonado. Em outro foco de corrupção, a Controladoria-Geral da União
(CGU) detectou desvio de recursos nas compras de remédios para
comunidades indígenas. ÉPOCA teve acesso a um relatório de auditoria da
CGU sobre compra de medicamentos, com base numa amostragem das
concorrências feitas em 2006, no valor total de R$ 34,9 milhões.
Os auditores da CGU apontaram um prejuízo potencial para os cofres
públicos de R$ 10 milhões, mais de um terço do valor total das compras.
Foi comprovada a presença de preços superfaturados, fornecimento de
remédios fora das especificações e sumiço de notas fiscais. De acordo
com a CGU, as três empresas que venceram as licitações da Funasa –
Especifarma, Unicom e Hospfar – estavam em situação irregular e não
poderiam ter sido contratadas.
O relatório da CGU afirma que os responsáveis pelas fraudes são o
ex-presidente da Funasa Paulo Lustosa e o ex-coordenador de Logística do
órgão Paulo Roberto Garcia, sobrinho do lobista Luiz Carlos Garcia
Coelho, acusado de montar um esquema de arrecadação de dinheiro para
Renan Calheiros em ministérios comandados pelo PMDB.
Quando Paulo Roberto Garcia foi demitido, em maio, deixou como
herança uma licitação em andamento, para comprar remédios no valor de R$
120 milhões. A essa altura, a Funasa já estava sob a vigilância direta
do Palácio do Planalto, preocupado com o surgimento de novos escândalos.
De acordo com a assessoria de comunicação da Funasa, o edital da
concorrência foi refeito, e o valor total a ser pago baixou para R$ 40
milhões. Uma nova pesquisa de preços reduziu o valor novamente, desta
vez para R$ 20 milhões. Quando os remédios finalmente foram comprados,
num pregão eletrônico, o preço caiu para R$ 12 milhões, um décimo do
valor que Paulo Roberto e Paulo Lustosa estavam dispostos a pagar.
Sob a vigilância do governo, o preço de uma compra de remédios caiu de R$ 120 milhões para R$ 12 milhões |
Lustosa foi substituído na presidência da Funasa por seu
diretor-executivo, Danilo Forte, também apadrinhado pelo PMDB. Procurada
por ÉPOCA, a assessoria de Danilo Forte atribui as fraudes constatadas
pela CGU e pela Polícia Federal à diretoria anterior e diz que o atual
presidente da Funasa está tomando todas as medidas para sanar as
irregularidades e punir os culpados. Afirma também que, apesar de ter
sido diretor-executivo e substituto de Lustosa nas ausências do antigo
presidente, Danilo Forte não era responsável pelos pagamentos que a
Funasa fez naquele período. Por isso, segundo a assessoria, não estaria
envolvido nas fraudes e irregularidades que estão sendo investigadas. As
investigações desmentem essa versão.
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Documentos obtidos por ÉPOCA mostram que Danilo Forte autorizou o
pagamento para empresas que, de acordo com a CGU, estão envolvidas nas
principais fraudes com dinheiro da Funasa. A assinatura de Forte aparece
na autorização para pagamento de uma fatura de R$ 1,1 milhão, no dia 14
de novembro de 2006. O pagamento foi feito para a empresa Digilab,
encarregada de implantar a TV Funasa, um projeto que provocou a queda de
Paulo Lustosa. Segundo o Tribunal de Contas da União, o preço que seria
pago à Digilab era de 11 vezes o previsto em contrato. ÉPOCA ouviu o
ex-presidente Paulo Lustosa para saber quem liberava os pagamentos
assinados por Danilo Forte. Ele disse que em sua gestão Forte cuidava
dos convênios com os municípios e também autorizava pagamentos. “O que
vale na vida é o papel”, afirmou Lustosa.
A assinatura de Danilo Forte também aparece em papéis que liberaram
pagamentos para a compra de remédios em contratos considerados
fraudulentos pela CGU. Danilo Forte assinou ainda as ordens de pagamento
para a empresa de eventos Aplauso. De acordo com relatório do TCU, ela
teria recebido por serviços que nunca prestou. Outro documento assinado
por Forte liberou dinheiro para a Brasfort, empresa que fornecia
mão-de-obra terceirizada para a Funasa e empregava aliados de Renan.
Com tantos escândalos, a Funasa virou um problema para o governo.
Entre os ministros de Lula, há uma corrente que defende como melhor
solução a extinção da Funasa. As obras de saneamento seriam transferidas
para o Ministério das Cidades, e a missão de cuidar da saúde das
comunidades indígenas para a Fundação Nacional do Índio (Funai). O
governo faria bem se ouvisse os protestos dos funcionários da entidade.
“O aparelhamento político promovido pelo PMDB levou a Funasa a uma
situação caótica”, diz o engenheiro Geraldo Sales Filho, presidente de
uma associação de funcionários da Funasa. “Estamos com vergonha de dizer
que somos de lá.”
Fonte: Epoca
Os escândalos da Funasa |
10 set 2007
ÉPOCA revela fraudes em
contratos da Funasa com empresas e reforça as denúncias feitas pelo
advogado Bruno Miranda sobre um suposto esquema de corrupção do PMDB |
1º out 2007
Uma reportagem de ÉPOCA
mostra que o lobista amigo do senador Renan Calheiros, Luís Carlos
Garcia Coelho, encontrava-se com os principais dirigentes da Funasa |
22 out 2007
ÉPOCA descreve fraudes
de quase R$ 90 milhões em contratos da Funasa e a intenção de ministros
do governo Lula de extinguir o órgão devido aos escândalos |
29 out 2007
ÉPOCA conta detalhes da
Operação Metástase, da Polícia Federal, que desmontou um esquema de
fraudes na regional da Funasa no Estado de Roraima | |