terça-feira, 18 de outubro de 2016

Fraudes até no banheiro Investigações mostram como é fácil desviar verbas na Funasa. Não é preciso nem projeto para obter verbas


UM GOLPE
A cearense Betânia de Sousa com dois filhos, em casa, com o banheiro feito pela Funasa. Ele saiu por quase o triplo do preço
Na manhã da segunda-feira 12, um carro preto da Polícia Federal estacionou em frente à sede da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), em Brasília. A chegada da polícia atiçou a curiosidade dos funcionários. Muitos correram para as janelas. Parte deles, na expectativa de que os agentes federais estivessem lá para fazer prisões. Outros, apreensivos, temiam a chegada dos policiais em suas salas. No final, para decepção de alguns e alívio de outros, ninguém saiu do edifício algemado. Segundo funcionários da Funasa, os federais estiveram por lá para investigar corrupção na entidade, mas estavam atrás de documentos, e não de pessoas. O episódio virou piada no prédio, mas ele retrata o estado de ânimo dentro da Funasa, órgão do Ministério da Saúde que tem R$ 4 bilhões para gastar por ano. A Funasa existe para levar saneamento básico às regiões mais necessitadas do país e para cuidar da saúde dos índios. Com suas ações espalhadas pelo interior do Brasil e uma direção nomeada por critérios políticos, a Funasa tornou-se um alvo fácil para desvio de dinheiro público.
Nos pequenos municípios do interior do país, é fácil perceber os efeitos dos desvios de verba na vida da população. A Funasa chegou a pagar até R$ 2.800 pela construção de banheiros em casas de baixa renda. Segundo as investigações, o mesmo banheiro – mas feito com material melhor – deveria custar R$ 600. Na casa da lavradora Betânia de Sousa, na cidade de Brejo Santo, no interior do Ceará, a instalação em 2004 de um banheiro modesto custou, no papel, R$ 1.500. Onde foi parar a diferença, já que o preço foi inflado? A conseqüência: faltou dinheiro para fazer banheiros na casa da mãe e de uma irmã de Betânia, que moram na vizinhança. Segundo os auditores, se a construção do banheiro de Betânia não fosse superfaturada, daria para fazer um igual para a mãe e outro para a irmã.
Nas últimas semanas, reportagens de ÉPOCA mostraram que boa parte dos acusados pelas fraudes na Funasa seriam apadrinhados políticos do grupo do presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros. ÉPOCA teve acesso a novos documentos, produzidos pela Controladoria-Geral da União e por auditores da própria Funasa. Eles traçam um retrato ainda mais desanimador do que acontece na entidade.
Os auditores ficaram especialmente incomodados com a ousadia do que apelidaram de contratos Capa de Batman. Segundo as investigações, nas eleições de 2006 o grupo ligado a Renan Calheiros liberou milhões de reais para prefeituras amigas, driblando as normas para pagamento de convênios exigidas pela Secretaria do Tesouro Nacional. O Tesouro determina que as prefeituras apresentem estudos e projetos técnicos para explicar como pretendem aplicar o dinheiro das verbas federais. Na Funasa, isso não era necessário.
A verba de R$ 824 mil foi liberada, mas o projeto em que ela seria usada só foi aprovado 11 meses depois
O dinheiro muitas vezes era liberado com a simples assinatura do convênio, antes mesmo da apresentação dos estudos e projetos. As pastas referentes aos processos fraudados dessa maneira continham apenas a capa e o pedido de verbas. Dentro da pasta nunca havia projetos. Por isso, foram apelidados de processos Capa de Batman – não havia nada dentro. Depois da liberação do dinheiro, os técnicos eram pressionados a inventar laudos que pudessem justificar os gastos.
Engenheiros da Funasa em alguns Estados se negaram a dar pareceres para “legalizar” a fraude. Diante da resistência dos funcionários de carreira, a direção da Funasa em Brasília contratou consultores externos para fazer o serviço. “Esses caras eram chamados de aprovadores”, disse a ÉPOCA um dos engenheiros que não aceitaram participar da falsificação da Funasa no Ceará. “A Capa de Batman, um processo completamente irregular, é desmoralizante para a instituição”, afirma Geraldo Sales Filho, presidente da Associação de Engenheiros, Arquitetos e Geólogos da Funasa.
SUSPEITO
Danilo Forte (à esq.) atribui os desvios à gestão anterior. Mas ele assinou a liberação de verbas (abaixo) para pagamento de empresas envolvidas nas irregularidades
Já se sabe que esse tipo de fraude foi comum em várias cidades do Maranhão e em Roraima. Em julho do ano passado, a Prefeitura de Nova Olinda, no Maranhão, recebeu da Funasa R$ 824 mil – primeira parcela de um convênio no valor de R$ 2 milhões – para a instalação de kits compostos de pia, chuveiro, vaso sanitário e tanque para lavar roupa. O projeto técnico, porém, só foi aprovado em 30 de maio de 2007, 11 meses depois da remessa do dinheiro. Em Rorainópolis, a Polícia Federal investiga um caso de Capa de Batman com verbas para obras de drenagem de um programa de combate à malária. No dia 19 de dezembro de 2006, a Funasa liberou uma parcela de R$ 1,6 milhão, de um total de R$ 4 milhões. O projeto só foi aprovado pelo Departamento de Engenharia da Funasa nove dias depois.
É difícil entender como um órgão de governo tão essencial ficou tão abandonado. Em outro foco de corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou desvio de recursos nas compras de remédios para comunidades indígenas. ÉPOCA teve acesso a um relatório de auditoria da CGU sobre compra de medicamentos, com base numa amostragem das concorrências feitas em 2006, no valor total de R$ 34,9 milhões.
Os auditores da CGU apontaram um prejuízo potencial para os cofres públicos de R$ 10 milhões, mais de um terço do valor total das compras. Foi comprovada a presença de preços superfaturados, fornecimento de remédios fora das especificações e sumiço de notas fiscais. De acordo com a CGU, as três empresas que venceram as licitações da Funasa – Especifarma, Unicom e Hospfar – estavam em situação irregular e não poderiam ter sido contratadas.
O relatório da CGU afirma que os responsáveis pelas fraudes são o ex-presidente da Funasa Paulo Lustosa e o ex-coordenador de Logística do órgão Paulo Roberto Garcia, sobrinho do lobista Luiz Carlos Garcia Coelho, acusado de montar um esquema de arrecadação de dinheiro para Renan Calheiros em ministérios comandados pelo PMDB.
Quando Paulo Roberto Garcia foi demitido, em maio, deixou como herança uma licitação em andamento, para comprar remédios no valor de R$ 120 milhões. A essa altura, a Funasa já estava sob a vigilância direta do Palácio do Planalto, preocupado com o surgimento de novos escândalos. De acordo com a assessoria de comunicação da Funasa, o edital da concorrência foi refeito, e o valor total a ser pago baixou para R$ 40 milhões. Uma nova pesquisa de preços reduziu o valor novamente, desta vez para R$ 20 milhões. Quando os remédios finalmente foram comprados, num pregão eletrônico, o preço caiu para R$ 12 milhões, um décimo do valor que Paulo Roberto e Paulo Lustosa estavam dispostos a pagar.
Sob a vigilância do governo, o preço de uma compra de remédios caiu de R$ 120 milhões para R$ 12 milhões
Lustosa foi substituído na presidência da Funasa por seu diretor-executivo, Danilo Forte, também apadrinhado pelo PMDB. Procurada por ÉPOCA, a assessoria de Danilo Forte atribui as fraudes constatadas pela CGU e pela Polícia Federal à diretoria anterior e diz que o atual presidente da Funasa está tomando todas as medidas para sanar as irregularidades e punir os culpados. Afirma também que, apesar de ter sido diretor-executivo e substituto de Lustosa nas ausências do antigo presidente, Danilo Forte não era responsável pelos pagamentos que a Funasa fez naquele período. Por isso, segundo a assessoria, não estaria envolvido nas fraudes e irregularidades que estão sendo investigadas. As investigações desmentem essa versão.
Documentos obtidos por ÉPOCA mostram que Danilo Forte autorizou o pagamento para empresas que, de acordo com a CGU, estão envolvidas nas principais fraudes com dinheiro da Funasa. A assinatura de Forte aparece na autorização para pagamento de uma fatura de R$ 1,1 milhão, no dia 14 de novembro de 2006. O pagamento foi feito para a empresa Digilab, encarregada de implantar a TV Funasa, um projeto que provocou a queda de Paulo Lustosa. Segundo o Tribunal de Contas da União, o preço que seria pago à Digilab era de 11 vezes o previsto em contrato. ÉPOCA ouviu o ex-presidente Paulo Lustosa para saber quem liberava os pagamentos assinados por Danilo Forte. Ele disse que em sua gestão Forte cuidava dos convênios com os municípios e também autorizava pagamentos. “O que vale na vida é o papel”, afirmou Lustosa.
A assinatura de Danilo Forte também aparece em papéis que liberaram pagamentos para a compra de remédios em contratos considerados fraudulentos pela CGU. Danilo Forte assinou ainda as ordens de pagamento para a empresa de eventos Aplauso. De acordo com relatório do TCU, ela teria recebido por serviços que nunca prestou. Outro documento assinado por Forte liberou dinheiro para a Brasfort, empresa que fornecia mão-de-obra terceirizada para a Funasa e empregava aliados de Renan.
Com tantos escândalos, a Funasa virou um problema para o governo. Entre os ministros de Lula, há uma corrente que defende como melhor solução a extinção da Funasa. As obras de saneamento seriam transferidas para o Ministério das Cidades, e a missão de cuidar da saúde das comunidades indígenas para a Fundação Nacional do Índio (Funai). O governo faria bem se ouvisse os protestos dos funcionários da entidade. “O aparelhamento político promovido pelo PMDB levou a Funasa a uma situação caótica”, diz o engenheiro Geraldo Sales Filho, presidente de uma associação de funcionários da Funasa. “Estamos com vergonha de dizer que somos de lá.”
Fonte: Epoca
Os escândalos da Funasa
10 set 2007
ÉPOCA revela fraudes em contratos da Funasa com empresas e reforça as denúncias feitas pelo advogado Bruno Miranda sobre um suposto esquema de corrupção do PMDB
1º out 2007
Uma reportagem de ÉPOCA mostra que o lobista amigo do senador Renan Calheiros, Luís Carlos Garcia Coelho, encontrava-se com os principais dirigentes da Funasa
22 out 2007
ÉPOCA descreve fraudes de quase R$ 90 milhões em contratos da Funasa e a intenção de ministros do governo Lula de extinguir o órgão devido aos escândalos
29 out 2007
ÉPOCA conta detalhes da Operação Metástase, da Polícia Federal, que desmontou um esquema de fraudes na regional da Funasa no Estado de Roraima 


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