UM GOLPE A cearense Betânia de Sousa com dois filhos, em casa, com o banheiro feito pela Funasa. Ele saiu por quase o triplo do preço |
Nos pequenos municípios do interior do país, é fácil perceber os efeitos dos desvios de verba na vida da população. A Funasa chegou a pagar até R$ 2.800 pela construção de banheiros em casas de baixa renda. Segundo as investigações, o mesmo banheiro – mas feito com material melhor – deveria custar R$ 600. Na casa da lavradora Betânia de Sousa, na cidade de Brejo Santo, no interior do Ceará, a instalação em 2004 de um banheiro modesto custou, no papel, R$ 1.500. Onde foi parar a diferença, já que o preço foi inflado? A conseqüência: faltou dinheiro para fazer banheiros na casa da mãe e de uma irmã de Betânia, que moram na vizinhança. Segundo os auditores, se a construção do banheiro de Betânia não fosse superfaturada, daria para fazer um igual para a mãe e outro para a irmã.
Nas últimas semanas, reportagens de ÉPOCA mostraram que boa parte dos acusados pelas fraudes na Funasa seriam apadrinhados políticos do grupo do presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros. ÉPOCA teve acesso a novos documentos, produzidos pela Controladoria-Geral da União e por auditores da própria Funasa. Eles traçam um retrato ainda mais desanimador do que acontece na entidade.
Os auditores ficaram especialmente incomodados com a ousadia do que apelidaram de contratos Capa de Batman. Segundo as investigações, nas eleições de 2006 o grupo ligado a Renan Calheiros liberou milhões de reais para prefeituras amigas, driblando as normas para pagamento de convênios exigidas pela Secretaria do Tesouro Nacional. O Tesouro determina que as prefeituras apresentem estudos e projetos técnicos para explicar como pretendem aplicar o dinheiro das verbas federais. Na Funasa, isso não era necessário.
A verba de R$ 824 mil foi liberada, mas o projeto em que ela seria usada só foi aprovado 11 meses depois |
Engenheiros da Funasa em alguns Estados se negaram a dar pareceres para “legalizar” a fraude. Diante da resistência dos funcionários de carreira, a direção da Funasa em Brasília contratou consultores externos para fazer o serviço. “Esses caras eram chamados de aprovadores”, disse a ÉPOCA um dos engenheiros que não aceitaram participar da falsificação da Funasa no Ceará. “A Capa de Batman, um processo completamente irregular, é desmoralizante para a instituição”, afirma Geraldo Sales Filho, presidente da Associação de Engenheiros, Arquitetos e Geólogos da Funasa.
SUSPEITO Danilo Forte (à esq.) atribui os desvios à gestão anterior. Mas ele assinou a liberação de verbas (abaixo) para pagamento de empresas envolvidas nas irregularidades |
É difícil entender como um órgão de governo tão essencial ficou tão abandonado. Em outro foco de corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou desvio de recursos nas compras de remédios para comunidades indígenas. ÉPOCA teve acesso a um relatório de auditoria da CGU sobre compra de medicamentos, com base numa amostragem das concorrências feitas em 2006, no valor total de R$ 34,9 milhões.
Os auditores da CGU apontaram um prejuízo potencial para os cofres públicos de R$ 10 milhões, mais de um terço do valor total das compras. Foi comprovada a presença de preços superfaturados, fornecimento de remédios fora das especificações e sumiço de notas fiscais. De acordo com a CGU, as três empresas que venceram as licitações da Funasa – Especifarma, Unicom e Hospfar – estavam em situação irregular e não poderiam ter sido contratadas.
O relatório da CGU afirma que os responsáveis pelas fraudes são o ex-presidente da Funasa Paulo Lustosa e o ex-coordenador de Logística do órgão Paulo Roberto Garcia, sobrinho do lobista Luiz Carlos Garcia Coelho, acusado de montar um esquema de arrecadação de dinheiro para Renan Calheiros em ministérios comandados pelo PMDB.
Quando Paulo Roberto Garcia foi demitido, em maio, deixou como herança uma licitação em andamento, para comprar remédios no valor de R$ 120 milhões. A essa altura, a Funasa já estava sob a vigilância direta do Palácio do Planalto, preocupado com o surgimento de novos escândalos. De acordo com a assessoria de comunicação da Funasa, o edital da concorrência foi refeito, e o valor total a ser pago baixou para R$ 40 milhões. Uma nova pesquisa de preços reduziu o valor novamente, desta vez para R$ 20 milhões. Quando os remédios finalmente foram comprados, num pregão eletrônico, o preço caiu para R$ 12 milhões, um décimo do valor que Paulo Roberto e Paulo Lustosa estavam dispostos a pagar.
Sob a vigilância do governo, o preço de uma compra de remédios caiu de R$ 120 milhões para R$ 12 milhões |
A assinatura de Danilo Forte também aparece em papéis que liberaram pagamentos para a compra de remédios em contratos considerados fraudulentos pela CGU. Danilo Forte assinou ainda as ordens de pagamento para a empresa de eventos Aplauso. De acordo com relatório do TCU, ela teria recebido por serviços que nunca prestou. Outro documento assinado por Forte liberou dinheiro para a Brasfort, empresa que fornecia mão-de-obra terceirizada para a Funasa e empregava aliados de Renan.
Com tantos escândalos, a Funasa virou um problema para o governo. Entre os ministros de Lula, há uma corrente que defende como melhor solução a extinção da Funasa. As obras de saneamento seriam transferidas para o Ministério das Cidades, e a missão de cuidar da saúde das comunidades indígenas para a Fundação Nacional do Índio (Funai). O governo faria bem se ouvisse os protestos dos funcionários da entidade. “O aparelhamento político promovido pelo PMDB levou a Funasa a uma situação caótica”, diz o engenheiro Geraldo Sales Filho, presidente de uma associação de funcionários da Funasa. “Estamos com vergonha de dizer que somos de lá.”
Fonte: Epoca
Os escândalos da Funasa | ||||
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10 set 2007 ÉPOCA revela fraudes em contratos da Funasa com empresas e reforça as denúncias feitas pelo advogado Bruno Miranda sobre um suposto esquema de corrupção do PMDB |
1º out 2007 Uma reportagem de ÉPOCA mostra que o lobista amigo do senador Renan Calheiros, Luís Carlos Garcia Coelho, encontrava-se com os principais dirigentes da Funasa |
22 out 2007 ÉPOCA descreve fraudes de quase R$ 90 milhões em contratos da Funasa e a intenção de ministros do governo Lula de extinguir o órgão devido aos escândalos |
29 out 2007 ÉPOCA conta detalhes da Operação Metástase, da Polícia Federal, que desmontou um esquema de fraudes na regional da Funasa no Estado de Roraima |
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