Manifestação de portugueses em Paris
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NESTES TEMPOS DIFÍCEIS NO SUL DA EUROPA, MUITOS PENSAM EM EMIGRAR. O QUE LEVA AS PESSOAS A DEIXAREM O SEU PAÍS, OS SEUS AMIGOS, EM MUITOS CASOS A DEIXAR OS FILHOS, E PÔR-SE A CAMINHO PARA TERRAS QUE NÃO CONHECEM? A CRISE, DIZEM UNS. DESEJO DE AVENTURA E DE NOVAS EXPERIÊNCIAS, DIZEM OUTROS. SERÁ SÓ ISSO?
Portugal, país com 10 milhões de habitantes, em 2012 perdeu 100 mil pessoas que emigraram e, nos últimos dois anos, mais de 200 mil. Só na Alemanha, a entrada de emigrantes portugueses aumentou 53% no primeiro semestre de 2012.
Sabemos que há várias emigrações. Há aquela que se faz por motivos familiares, por desejo de realização acadêmica ou profissional ou por mero desejo de aventura e de conhecer o mundo. Essa é humanamente compreensível, sempre existiu em todos os países e sempre existirá. É uma constante, da qual os governos não têm que se envergonhar nem de estimular: uma pequena parte das pessoas em qualquer país gostará sempre de sair do local onde nasceu.
O pior é quando essa pequena parte se transforma numa parte muito grande.
Em Portugal, fala-se de "debandada dos mais jovens" e de "emigração em massa". Os jovens emigram para Angola, para o Reino Unido, para França, para a Irlanda, para a Austrália, para a Suíça e para o Brasil. É grande a tentação de cair no "choradinho" habitual ou no otimismo criminoso de alguns governantes ao explicar esta situação. Otimismo criminoso é quando o primeiro-ministro português Pedro Passos Coelho diz que os "jovens devem sair da zona de conforto" onde estão, que "o desemprego é uma oportunidade" e que, se os professores não têm emprego no país, podem perfeitamente emigrar. Otimismo criminoso é um secretário de estado dizer que a emigração "é uma mais-valia para o país" e que "o financiamento do nosso sistema financeiro, da nossa banca, também se está a fazer muito à custa das remessas dos emigrantes".
A emigração parece ser a solução mágica para governos incompetentes: faz baixar o desemprego, alivia os serviços de saúde, financia os bancos com as remessas e ainda ajuda na internacionalização das empresas...
Se tudo fosse tão simples e tão côr-de-rosa!
Senhores governantes, já muitos antes de mim tentaram desfazer um dos mitos da emigração: não é verdade, como gostam de repetir na imprensa, que a emigração portuguesa atual seja composta apenas por gente qualificada, professores universitários, pilotos, engenheiros e enfermeiros, jovens com instrução superior. Como escreve a economista portuguesa Cristina Semblano, residente na França, "em Portugal, de anos atrás a esta parte, mas de forma intensíssima a partir da crise financeira, emigram homens e mulheres de todas as idades, sem qualificação, com filhos em idade escolar, a oferecerem-se contra salários de miséria na Europa. Para melhor os acompanhar, o governo português fechou estruturas consulares, despediu professores de Português, obrigou-os a pagar propinas para os filhos e, não contente com isso, pede-lhes para… ajudar Portugal! A maioria da emigração, como eu também a vi, traz de arrastão as suas crianças que assim cedo (re)aprendem a insegurança e a perda. A perda de uma segurança que a continuidade e previsibilidade oferecem. A perda das interações com os seus familiares, com os seus amigos, com os seus professores e com a sua língua que é o que lhes permite comunicar e portanto dar significado a uma existência que só se concretiza na relação com os outros".
A crise e a emigração NÃO são uma oportunidade. São, mas apenas para uma parte dos que partem, para aqueles que conseguem trabalhos de acordo com a sua formação, para os que se conseguem integrar nos novos países. E todos os outros? Por que desgraças e privações terão que passar anos a fio? Quantas horas de desespero não viverão? Quantos filhos não ficarão privados dos pais, do seu carinho físico diário? Quantas mulheres não ficarão privadas dos maridos, quantos idosos não chorarão a partida de filhos adultos, quantos casamentos não acabarão por causa da distância?
O embaixador de Portugal em Paris, Seixas da Costa, mostra muita lucidez ao escrever no seu blogue: "Não nos iludamos e não confundamos os impulsos de aventura e de legítima ambição pessoal ou profissional com as rotas tristes da necessidade e da miséria. O que é uma evidência indiscutível é o fato de que, nos últimos dois séculos, Portugal foi incapaz de sustentar um processo de progresso interno que desse oportunidade a muitos dos nossos compatriotas de, se assim o quisessem, se realizarem plenamente no seu seio. E, por isso, muitos foram obrigados a sair, por vezes em condições dramáticas, com percursos de vida frequentemente heroicos, dos quais o país se deve orgulhar muito, por tudo quanto esses compatriotas conseguiram fazer por si próprios e pela imagem de Portugal. Mas que, simultaneamente, Portugal também se deve envergonhar bastante, por aquilo que infelizmente lhes não soube proporcionar. E, enquanto não conseguirmos gerar, para todos, soluções decentes de vida, dentro das nossas fronteiras, uma parte de Portugal andará sempre numa viagem forçada pelo mundo".
Sim, quando um regime joga para fora os seus cidadãos, está a defraudar a sua primeira missão, que é a de proporcionar condições para as pessoas procurarem a felicidade na terra onde nasceram. Isto é válido para Portugal e para todos os outros países.
Fonte Voz Russia
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